quarta-feira, 29 de junho de 2011

espelho

Um espelho muito grande. Deveria ser um objecto obrigatório para cada um de nós. 5 minutos por dia, deveríamos colocar-nos em frente a ele e concluir:
- que somos mais rídiculos do que pensamos
- que somos mais feios do que achamos que somos
- que falamos mais do que somos
- que não somos (para o outro) aquilo que falamos. Somos aquilo que fazemos. temos.
- que aquilo que fazemos nos leva (normalmente) ao primeiro ponto
- que não somos para os outros o que os outros nos dizem que somos. Somos aquilo que não nos dizem que somos. A nós.
- que no final de contas somos só mais um. Mais um que precisa de se ver melhor ao espelho.
É isso que somos. Apenas gente que não se vê ao espelho.

domingo, 26 de junho de 2011

She believed in faries


Peter Pan - I do believe in fairies por ox-stargirl-xo

Olá Sheila. Faz hoje um ano que foste ter com a tua mana. É mais um domingo igual a tantos outros, para tanta gente. Os teus eram especiais. Vias partir logo pela manhã a maioria dos teus companheiros e amigos. Organizavas a casa, preparavas os teus manos mais novos e viam quase sempre o mesmo filme. Nesta parte do filme, fazias o mesmo comentário de sempre, e rasgavas o mesmo sorriso de sempre. Depois acabava o filme e voltavas ao mundo real. Sempre à espera da fada. Eras isto tudo, aos sete anos. Hoje há festa por lá, uma exposição dos teus milhares de desenhos, e das tuas centenas peças de barro. Quase sempre as mesmas. Marcavas a tua mão no barro frio, deixavas secar a marca que fazias questão de deixar. E pintavas, pintavas com o maior número de cores possível. Era a cor que fazias questão de trazer. Beijinhos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Pedro e Mónica

Na televisão, a Sic Notícias apresenta-nos os currículos desses 11 heróis que se preparam para travar uma guerra provavelmente perdida à partida, tentando dar-nos uma leve esperança num futuro próximo que não é fácil. Na sala, rostos com sorrisos enganam os corações que sofrem, palavras sobre tudo e sobre nada alimentam uma conversa tardia, que faz encontrar uns e outros. Uns na esperança de ali não regressarem, e outros na certeza que aquela sala será o seu acolhimento durante semanas, meses, talvez anos. Pedro está sentado a meu lado. Corpo forte, alto, olhos enormes que lhe rasgam um rosto cheio de confiança. É a 28ª que ali está. Há dois anos e meio, e após a habitual futebolada com os amigos, notou que algo estranho no seu ombro. Doía-lhe como tantas outras vezes, mas daquela vez sentia ser uma dor diferente, contínua, incómoda. Sentia "um carreiro de formiguinhas constante dentro dos meus ossos", disse. Uma ida ao médico naquela manhã véspera de casamento com Mónica, havia mudado a sua vida para sempre. Ao lado de Mónica ouviu a pior notícia do Mundo. Tinha um tumor nos ossos. O pior possível para alguém da sua idade (1 em cada 10 jovens entre os 18 e os 30 anos sofre do mesmo), porque lhe foi dito a forma rápida e silenciosa como evolui. Casamento adiado, emprego perdido aos poucos. Já fez de tudo um pouco aqui neste sítio que nos encontra, desde então. A meio das suas palavras chega Mónica. Quadro superior numa multinacional, tenta aliar a exigência de tal emprego com a missão mais importante da sua vida, motivar Pedro. Cumprimentam-se com a naturalidade do casal de namorados, de casamento ainda marcado. Sorriem, Mónica conta-lhe as últimas novidades do seu dia. Contam que fazem sempre isto, a maior parte do tempo é passado a ouvir o dia-a-dia de Mónica. O único digno de palavras, diz Pedro. Ela conta que aquela notícia há dois anos atrás lhe provocou a maior dor no coração que jamais imaginara. Tiveram que reconsiderar tudo nas suas vidas. Casamento, casa comprada recentemente, planos de vida, filhos. Tudo. Desde então vivem cada dia esperando que a noite chegue melhor que a manhã, apenas. Não há planos, não há destinos de férias planeados, filhos pensados, ou sequer, o fim-de-semana seguinte combinado. Uma vida planeada ao minuto seguinte, é como vivem. Mas, por mais incrível que possa parecer, vivem tranquilos. O choque já passou, a angústia e raiva ultrapassados, a falta de esperança eliminada. Não há padrões estabelecidos, evoluções previstas ou fim de história já escrita. É tudo ao minuto. Ao minuto vão vivendo. Juntos e tranquilos. Uff...

terça-feira, 14 de junho de 2011

Passado e futuro – estórias de sonhos e castelos de areia

Em tempos de enterro de passados inglórios e angustiantes, sentimos os dias sem rede. Vontades espúrias de ensaguamento de momentos infelizes, tristes e de vergonha, são alimentadas por sonhos de tempos futuros, em que a tranquilidade perseguida apareça.
As estórias da vida são feitas de castelos de areia pensados isoladamente ou sonhos planeados conjuntamente. Tudo reside, enfim, na forma e estado em que cada um de nós se encontre. Passados vividos numa profunda solidão, longe de imaginada ou pensada, mas real. Solidão essa responsável por actos irreflectidos, decisões não pensadas e escolhas momentâneas, pensadas como eternas. Existem passados assim, tristes, cheios de azares e erros de casting. Motivados por ansiedades interiores desconhecidas e, mais que isso, incontroladas. Existem passados assim, crentes em palavras vãs repetidas até à exaustão, afinal vazias. Ricas na forma, vazias no conteúdo. Caminhos sem ninguém na margem, pensados serem acompanhados. Mundos pensados como comuns, mas afinal tão longe. Existem passados destes, cheios de vozes, sons, movimentos e acções. Desertos de verdade. E são estes os passados que se tornam, um dia, num imenso castelo de areia húmida, fragilizada por qualquer movimento de maré mais simples, mais inofensivo, mais fraco. A estes passados o adeus deve ser forte, brusco, violento. Feito com a angústia acumulada de indiferença brutal, de infidelidade desavergonhada, de humilhação pública e barulhenta. É apenas essa a sua força. O que de tanto se deu, num passado, transforma-se, num ápice no egoísmo maior. Em tempos destes, em que se esconjura o passado que envergonha, aproveita-se para denunciar os amigos de faustos repastos, mas ausentes no momento mais importante. É nestes momentos em que vemos os telhados de rubi das casas que habitámos. São de lata, da mais fraca, ferrugenta e vulgar lata. São tempos em que escrevemos para a memória futura uma lição de vida. A vida é assim, dá-nos eternas lições. É, portanto, nestes momentos que percebemos a ausência de anjos da guarda, de karmas positivos, de sorte. Mas são, ao mesmo tempo, tempos de procura. De, pelo menos, novas crenças, novas forças interiores, novas vontades. Imaginá-las encontradas e meio de uma vida é duvidoso, mas lá haverão, sabe-se lá onde. É tempo de alimentar o sonho. Procurar palavras com sentido, verdade nos sons, nos gestos, nos cheiros. É tempo de olhar o destino de frente, e chamá-lo de amanhã. É esse o futuro. Amanhã.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

(...)

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: Fui eu?
Deus sabe, porque o escreveu."

Não sei quantas almas tenho // Fernando Pessoa

sábado, 11 de junho de 2011

coração


Out of Africa-Meryl Streep & Robert... por cantalou7301

Como é que se sente a verdadeira temperatura do sol na pele, enquanto voamos para um destino sem morada? Como é que vê a verdadeira emoção do olhar que nos controla os movimentos, movido por um desejo interior que desconhecemos? Como é que saboreamos com todos os sentidos da boca, todas as texturas dos lábios? Como é que sentimos aquele cheiro só nosso, que nos transporta para uma tranquilidade indolor, infinita e doce, a cada lembrança que temos? Como é que percebemos aquele movimento do filme, que combina na perfeição som, luz, palavra e gesto?
Com o coração. Só com o coração.

a contradição da felicidade

Procuramos todos a felicidade. Diz-se. Mas não deixo de me questionar sobre o seu contrário. O que une, de facto, duas pessoas? Os muitos momentos felizes que partilham, ou a estória dos momentos mais tristes que viveram?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A VIDA É MARAVILHOSA

A vida é maravilhosa. Um sonho. Realizações, afectos, sucessos, alcances. Uma sucessão de verdades, fidelidades, compromissos, agradecimentos, partilhas. Dá tudo o que lhe pedimos. Responde às nossas ansiedades. Premeia-nos pelo bem que fazemos. Dá-nos em bandeja de prata, tudo aquilo de que nos julgamos merecedores. Nunca a vida nos é ingrata. Nunca nos mente com a convicção dos anjos. Nunca é falsa, antes pelo contrário, é imaculada por uma santidade absolutamente inquestionável. Nunca a vida nos chama de maravilhosos hoje, porque estamos, e maravilhosos, amanhã, porque deixamos de estar. A vida castiga sempre a mentira, a infidelidade, a traição, a omissão premeditada, a obscuridade, a mais completa falta de respeito. A vida premeia sempre a verdade, a bondade, o esforço, a dedicação, a preocupação, a tentativa de ser melhor e fazer melhor. A vida é uma maravilha. Ou, citando Bocage (esse grande poeta da língua), a vida é uma maravilha de merda.

a boa notícia

Gosto de dar boas notícias. Se há mal de que padeço, esse é, decididamente, um deles. Detesto o lado negativo da perspectiva. Por mais real que possa ser, abomino-o. Recuso com a maior veemência interior a fatalidade, o erro, a negação. Tem o lado positivo de perseguir o sonho, a bondade, a liberdade, a felicidade. Tem, certamente, o lado menos bom. Por vezes cega, ilude, engana. São já muitos anos a virar este frango. O tempo amadureceu-me os ímpetos, educou-me as vontades, ensinou-me as limitações. Fez crescer. Mas, ainda assim, sou e provavelmente serei sempre isto. Um ser que busca a simplicidade da boa notícia. Porque ela faz bem, motiva, inspira, faz acreditar. Hoje dei uma noticia destas. Aqui estou a imaginar a recepção da mesma. Já motivou conversas cúmplices e felizes. Festejos interiores, libertações exteriores. A dita notícia é boa. Não pelo que é em si mesma, Mas sim pelo que significa. Uma total, absoluta e exasperadamente vivida paz. Tranquilidade. Trará segurança no correr dos dias, felicidade assumida nas paixões agora vividas. Em menos de duas horas já terá feito surgir milhares de palavras, centenas de promessas, dezenas de abraços. É esta a razão pela qual aqui andamos. Procurar a felicidade em liberdade. E dar liberdade para a felicidade. Bom, portanto.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

back to simple stupidity

"O Hotel, a Bichana, a Julie e o Capacete...
Voltando a boas memórias de outros tempos, lembro-me que já fui um rapazinho bem divertido. Numa idade que já não me recordo, passava os verões a trabalhar como barman num restaurante de primeira nas Dunas Douradas, algarve. São tantos os episódios que me ficam desse tempo, que seria preciso um novo blogue para os relatar. Assim, e quando tiver paciência ou me apetecer, contarei alguns deles. Não porque os ache dignos de serem lidos (aliás, como tudo o que escrevo...), mas apenas porque me trazem alguma alma a estes tempos tão desalmados que vivo. Lembro-me que no primeiro ano que para lá fui desde o primeiro dia que desejava entrar no Grande Hotel da Quinta do Lago. Diziam-me que era uma recepção majestosa, cheia de gente do Mundo inteiro, frequentado por ícones como Madonna, Bryan Adams, Billy Joel...por aí...Dizia cá para mim, um dia entro naquela recepção como se fosse um milionário americano e peço a melhor suite que tiverem. Todos os meus colegas me diziam para me por no meu lugar, que me expulsariam mal me vissem, que esquecesse aquele hotel. Sempre fui um puto meio obstinado. Ou parvo. Não distingo bem a diferença. Acontece que, como era o puto mais novo do restaurante, cabia-me a mim fechar o bar todas as noites. Tinha várias recompensas. Acompanhava sempre as filhinhas dos ingleses completamente embriagadas aos quartos (mas, como já referi atrás ser meio parvo, nunca ficava). Outra das recompensas era que o patrão me deixava ficar com uma mota para ir para casa àquela hora. Bem, não era bem uma mota. Era uma motocicleta a pedais (alguém se lembra???). Quando nos lembramos que já andámos numa motocicleta a pedais, é tempo de perceber como estamos velhos. Enfim seguindo. Um dia, enchi-me de coragem, convidei uma das tais inglesas embriagadas e fomos dar um passeio à praia. Eram 1.30h da manhã. Não se via estradas, bermas e muito menos a praia. Mas lá fomos. Montados na bichana (era assim que lhe chamávamos), lá segui eu e a Julie (não me recordo do nome, mas este parece-me adequado), por ali abaixo até á praia das Julianas. Escuso-me a contar os vários percalços existentes no caminho, pois as motas nunca foram o meu forte. Muito menos ter que as pedalar. Ás tantas, e sentado na areia da praia lembrei-me que era naquele momento que eu iria entrar pela recepção do Grande Hotel. Triunfante, acompanhado de uma linda estrangeira. Convencida facilmente (o meu inglês para embrigadas sempre foi perfeito), lá fomos estrada acima até ao Hotel. Chegados á porta, aprumo a minha pouca roupa, estaciono a bichana e, de braço dado com a Julie, lá entro de forma gloriosa, arrogante e triunfante. "Boa noite, quero um quarto duplo por favor!", disse eu do alto dos meus 17 anos. O conciérge (sei disto para cacete!), pergunta-me se está tudo bem comigo. Mau. "Sim, quero reservar um quarto duplo, ou melhor, quero a melhor suite que tiver!". Julie acena que sim com a cabeça, como que dizendo "Yes, I'm with this charming and beautifull portuguese boy!". Volta a questionar-me. "Mas, senhor Gomes, por nós tudo bem, temos uma suite disponível, mas...". Eu sabia. Isto estava a correr bem demais. Insisto (sempre altivo como um puto de 17 anos a entrar num Hotel de 5 estrelas deve ser!)"então se está tudo bem, qual é o seu problema? Estou mal vestido é isso? Não tenho uma aparência digna de entrar no vosso hotel? Diga lá homem, qual o problema?". Olho para Julie que expressa nos seus olhos "I love this boy. What at courage, wath a speech!". Recebo a resposta calmamente. "Senhor Gomes, é claro que pode entrar no nosso hotel, e teremos a suite preparada. Mas, se não for incómodo para si...preferíamos que tirasse o capacete. É a única forma que tenho de confirmar a sua fotografia do BI." E assim se explica que a vida é feita de muitos pequenos detalhes. Ali aprendi a primeira lição. Nunca sair com uma mulher que não nos avisa para retirar o capacete... "

* recuperado de um blogue cheio de estórias idiotas, escrito há exactamente 3 anos atrás.

life


Andamos quase sempre em bolandas. Fazemos círculos completos de tempo, espaço e momentos. Gritamos, choramos, rimos, falamos, calamos, amamos, odiamos, desesperamos, alegramos, sorrimos. Caminhamos sempre em frente. Chegamos lá e andamos para trás. Chegados cá atrás, olhamos de novo em frente. Dúvidas, hesitações, certezas, conclusões. Mudanças, rotinas, lembranças, esquecimentos. Êxtases e amarguras. Decisões e incertezas. Questões, questões, questões. Palavras, sons, afectos, emoções. Corações abertos, mente adormecida. Caminhos, caminhos, caminhos. Forças e fraquezas. Perdões, absolvições, desculpas. Abraços, beijos, sexo, paixão. Procura, procura, procura. Desejos, ansiedades, sonhos, vontades. Perdas, ganhos, vitórias, derrotas. Avanços, recuos, encontros, desencontros. Fidelidades, traições, amizades, desilusões. Companhia, solidão. Portas abertas, janelas fechadas. Chão ausente, sucesso distante. Quentes e frios. Solidários, indiferentes. Sonhadores, realistas, positivo, negativo. Pedimos ao tempo que desfaça. Mas há coisas que o tempo jamais desfaz. É a vida. Insiste em pedir-nos. É o que nos vale. Ou não.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

"No one in the world
Ever had a love as sweet as my love
For nowhere in the world
Could there be a boy as true as you love
All my love
I give gladly to you
All your love
You give gladly to me
Tell me why then
Oh why should it be that

We go on hurting each other

Making each other cry
Hurting each other
Without ever knowing why

Closer than the leaves
On a weepin' willow baby we are
Closer dear are we
Than the simple letters "A" and "B" are
All my life
I could love only you
All your life
You could love only me
Tell me why then
Oh why should it be that

Can't we stop hurting each other
Gotta stop hurting each other
Making each other cry
Breaking each other's heart
Tearing each other apart"

The Carpenters

Avenida Paulista


"Eu acordo bem cedo
E vou trabalhar
Meu coração caipira
Perdido na cidade
Sonha e suspira
Sonha e suspira

Sou fã número um
Do cantor popular
Da vida de artista
Da santa padroeira
Da Avenida Paulista
Da Avenida Paulista

Não existe praia
Pra afogar minha sede
Eu encho a cara
Eu picho a parede

Gosto de quem gosta
De arrancar um sorriso
Se eu curto a "fossa"
Eu perco o juízo

Na Avenida Paulista
Na Avenida Paulista"

Avenida Paulista - Rita lee

sexta-feira, 3 de junho de 2011

eu e o gajo do Q7...

Hoje bati no trânsito.
Corrijo. Hoje um gajo num Q7 bateu no meu carro emprestado.
E então, foi assim.
"Eh pá, desculpe lá, quando o vi já estava em cima de si" (diz o gajo do Q7, enquanto não desencosta o seu Iphone do ouvido)
Faço pequena pausa e penso no que queria ele dizer com o "estar em cima de mim"...mau...
"Não faz mal, acontece a todos", digo-lhe eu, pensando ao mesmo tempo que acontece mais aos idiotas incapazes de conduzir, falar ao telefone e fumar ao mesmo tempo.
"Então e agora, o que fazemos?"
"Bem, se calhar o melhor é preencher a declaração amigável", respondo-lhe, mas já com vontade de o mandar para a fábrica do cocó (para os mais incautos, é a estação de tratamento da avenida de ceuta que, das duas uma, ou trata mal, ou não trata de todo).
"Deixe-me ligar aqui ao meu advogado rapidamente", diz-me ele...
"Porquê, você não sabe ler e escrever?" (não disse, mas deu vontade, pronto)
"Está bem, ligue lá".
Bom...10 minutos depois..."amigo (o amigo dele sou eu), o meu advogado está a caminho e tratamos já disto"
"Mas o advogado por alguma razão em especial?", pergunto-lhe eu.
"Sim...é que...sabe o carro é da minha Mulher e...bem...ela não sabe que eu ando por estes lados...devia estar noutro sítio, percebe?"
"Não."
"Bom, não interessa, dê-me 10 minutinhos e a gente trata disto"
"10 minutinhos" serão menores que dez minutos, interrogo-me...e espero, claro, enquanto o ouço.
"Olá querida, nem sabes o que me aconteceu...bati aqui na Avenida de Ceuta...vê lá tu. Não, não te preocupes querida, eu estou bem, eu estou bem. E olha...já estou cheio de saudades...um beijo"
Pelo menos não sou o único a sofrer com este gajo, penso eu. E espero. Pelo advogado que vem resolver a questão da declaração amigável do carro da mulher do gajo que me bateu, que não sabe que ele está aqui, pensando que estará a...trabalhar, calculo eu. Enquanto o observo ao telefone com a "querida", contemplo o seu estilo modernaço alfacinha blasé, e imagino o que fará este gajo. Calculo. Mas não digo.
Bom, voltando ao diálogo.
"Então, o seu advogado demora? É que estou com alguma pressa..."
"Não, não ele ligou-me agora mesmo a dizer que estava a chegar"
"Mas ligou-lhe como? Você tem estado ao telefone com a "querida"?" (pensei, não disse, pronto)
Novo telefonema.
"Olá Amor da minha vida, os meninos estão bem? Estou a ligar só para mandar um beijo e dizer-te que te amo deste Mundo até ao outro"
Bom. Entre querida e amor, esta deve ser a mulher. Penso.
Chega o advogado.
"Boa tarde amigo, como está?"
F....outro "amigo"???
"estou bem obrigado, então é o senhor que vai resolver isto?", pergunto, na esperança de ouvir um simples sim...
"Bem, então vamos lá ver. O amigo vinha a que velocidade, e o meu cliente, de onde vinha? E já agora, posso ver os seus documentos, seguro do seu carro. Quer dizer, tem seguro não tem? é que, sabe, hoje em dia nunca se sabe quem anda na estrada."
Pausa. Observo o outro "amigo" que, entretanto, continua absorvido nos seus telefonemas.
E respondo, claro.
"Eu vinha na velocidade recomendada nesta via, na faixa da direita. Está a ver ali aquela obra na estrada? O seu cliente não viu. Mas eu vi. E parei. E ele bateu por trás. No carro da mulher que não sabe que ele me bateu, porque não sabe que ele está aqui. E ele está aqui, porque acabou de sair da casa da amante querida de quem já tem saudades, e a quem já disse que bateu, mas que a mim não me diz nada." E fumo um cigarro.
"Bem, mas vendo bem as coisas...", prepara-se o "advogado" para dizer.
"Espere. Bem vistas as coisas, só agora reparei que não tenho nada no carro. E ainda bem, porque se tivesse, ainda teria que o indemnizar ao seu cliente, à mulher dele que tem um Q7, e à amante, que gosta muito dele, sobretudo porque ele tem um Q7. Que não é dele, é da mulher. Já viu a confusão que seria esta merda? E mais, não sou seu amigo."
E lá venho embora. O gajo? Bem, o gajo acena-me enquanto continua ao telefone. Parece que ainda o ouço gritar "adeus amigo"...

Path


"Two roads diverged in a yellow wood,
and sorry I could not travel both
And be on traveler, long I stood
And looked down as far as I could
To where it bent in the undergrowth;"

Robert Frost // The Road not Taken

O ínicio de um caminho anuncia, quase sempre, o fim de outro. Seja. Caminha-se por estradas longas estendidas por kilómetros de verdes paisagens, lado a lado com estradas sinuosas, cheias de perigos imprevistos, curvas pronunciadas e carros em contramão. Esta sensação de desejo interior que a estrada longa se anuncie para sempre, é a principal responsável pelas estradas sinuosas que encontramos. Quanto maior a ansidade, a angústia, o desejo exasperado, pior se anuncia o caminho.
Parece agora chegado, enfim. Como já calculado, não era o caminho desejado. Para além de longínquo, vem fora de tempo, de desejo, de vontade. Escreve-se um caminho nova, para que outros caminhos sigam livres, fortes, seguros e, sobretudo, felizes. Que raiva incontida esta. Que vontade do grito mais alto. Que exasperação perante a injustiça de uma vida que nos flirta e nos abandona. Que vontade de partir todas as estradas, esconder todos os sinais, alterar todos os percursos. Que vontade de queimar todos os mapas, partir todos os gps, bloquear o tempo. Tristeza quando o caminho certo, é o caminho não escolhido, mas o imposto.