quarta-feira, 4 de maio de 2011

horizonte


O velho, cansado e já vencido pela vida, senta-se no seu banco de jardim de sempre. Gosta de ali repousar, junto àqueles dois nomes escritos a custo nas costas do banco. Todos os dias, numa luta constante pelo não esquecimento da sua companheira de uma vida, ali vai. Senta-se, retira o seu velho e gasto caderno, a sua caneta oferecida por ela nos seus 45 anos de casados, e escreve. Tudo o que vê e sente. Os carros que passam cheios de faces inanimadas logo pela manhã. Casais que não se olham, não se falam, não respiram. Ansiosos por mais um dia ofegante e corrido, mas sem causa, sem sentido, sem procura. Retira-se para almoçar no restaurante de sempre, e pede sempre o prato preferido dela. Sente-a presente. Sentada, ali na sua frente. Tem uma conversa imaginária, falam dos seus sonhos, dos casamentos dos seus dois filhos, dos rostos fortes e corajosos dos netos, acabados de nascer. Falam das festas de final de curso, dos infindáveis natais, aniversários. Das Páscoas passadas em aldeia longínqua, onde caminhos de flores construídos na rua, davam as boas-vindas ao Padre Américo. Caminha junto ao seu Tejo. O Tejo que tantas vezes os viu passar, olhara-os com esperança, com ternura, com alegria. Nas tardes solarengas, ou nas noites soturnas, era o Tejo quem lhes fazia a melhor companhia. Os três eram testemunhas do seu amor eterno. Depois da caminhada, acomoda-se de novo no seu banco. Observa o cão que tudo cheira na procura do seu refúgio, a criança que, embalada no colo da jovem mãe, adormece ao som da rua. Lembra-se do que lhe dizia a sua companheira, nas primeiras noites dos seus filhos. Lembra-se que o melhor silêncio para os seus meninos adormecerem, era silêncio algum. Gostavam de sons. Todos. É quase noite, e os carros fazem o caminho de volta. Anota de novo as mesmas faces, os mesmos silêncios aterradores, as mesmas angústias. No meio de uma multidão absorta que caminha de regresso a casa, aquele jovem casal chama-lhe a atenção. Passeiam longamente junto ao rio. Neles, não falta a palavra, parecem dois meninos que, chegados da escola no primeiro dia, só têm histórias para contar. Interrompem o verbo apenas para se beijarem. É uma bela imagem esta que ele agora capta. Ao fundo, passa o cacilheiro, com o recorte do horizonte laranja. Lembra-se do que lhe dizia o seu amor de sempre. Dizia-lhe que o seu maior defeito e a sua maior angústia seria essa mesmo. A da procura incessante, dolorosa e desarmante pelo horizonte. Pois é. Apercebe-se.