segunda-feira, 11 de abril de 2011

Lições do Pai

Tinha 14 anos e jamais me esqueci daquele dia. Jogávamos á bola na rua (sim,era tempo disso), no mesmo loval de sempre, com a alegria de putos descontraídos. A bola, descontrolada, sai do campo e vai ter com um grupo de rapazes bem mais velhos e pouco recomendáveis. Decidem, claro, que não devolver a bola. Esperamos, pedimos, imploramos. E eles insistem. E gozam.
O Roberto, um dos mais velhos, decide ir ter com eles e pedir-lhes, educadamente, que lhe dessem a bola. Palavra puxa palavra e o Roberto é agredido. Eram 3, os outros. Nós éramos 12. Dos meus amigos mais velhos (da idade do Roberto), nem um movimento, um leve esgar, uma palavra. Ele decide reagir como reage um jovem injustiçado. O Roberto tinha já 19 anos, e estava de licença da tropa e dos campeonatos de Karate aonde ía todos os fins-de-semana. Resolve responder na mesma moeda e deixa o seu agressor caído no chão, e vem embora. Com a bola. Tentamos abstraír-nos daquela cena e continuamos o jogo. Foram 10 minutos. De repente, uma onde de gente, cerca de 10 ou 11 rapazes (novamente menos recomendáveis), resolve vir tirar a desforrra, mas desta vez mais violentos. Nos mais velhos entre nós, novamente a mesma reacção, nenhuma. O Roberto decide fugir e todos correm como loucos atrás dele. Refugia-se no único porto de abrigo que encontra, a loja do meu Pai. Era ali o nosso ponto de encontro. O local onde contámos todas as nossas primeiras histórias de adolescência. O meu Pai, claro, reage e pede a todos os que o perseguiam para se irem embora. Ainda tentam, mas foi uma tentativa frustrada. A ele juntaram-se mais um ou dois clientes. Momento de alguma tensão, discussão e eis que chega a Polícia. Os agressores resolvem ir embora.
Ficamos aliviados e confortamos o Roberto. Mas o meu Pai resolve chamar alguns de nós, os mais velhos sobretudo. Primeiro, um longo discurso contra a violência, e conselhos sobre os cuidados a ter na rua. Para ele, a rua era, naquele tempo, um lugar seguro. Mas exigia, sempre, atenção e prevenção. Não devíamos, nunca, abstraír-nos completamente e viver num mundo cor-de-rosa que, insistiu, existia apenas no nosso pequeno Mundo, quando ali nos sentávamos a conversar ao final do dia. E depois, vem a lição. E disse mais ou menos isto.
“Nas dificuldades e momentos mais críticos e difíceis, nunca se deixa um amigo sózinho. Pode ter cometido um erro (não foi o caso), pode ter sido precipitado, pouco racional ou demasiado emotivo. Mas nunca, nunca, se lhe oferece indiferença. Aprendam isto hoje. Já tiveram tempo para decidir que ele era vosso amigo. Não é no momento mais difícil para ele que o abandonam. Pode estar errado, mas esse erro e essa vossa escolha, deve ser dita depois. Não no momento em que a montanha parece impossível de escalar. Espero que o levem para a vida. Lembrem-se sempre que a vida pode por-nos sempre em diferentes posições. De um lado ou do outro. E nenhum de vós quererá, dia algum, estar no lado do Roberto. Sózinho.” E depois? Bem, depois fomos jogar à bola. Ali mais pertinho, por via das dúvidas.