sexta-feira, 8 de abril de 2011

Mais um Castelo de Areia

Pedrinho acordou naquela manhã, com um sorriso diferente nos lábios. Adormecera feliz, já tarde. Tinha estado a brincar com a sua nova amiga até muito tarde, tão tarde que tiveram que fingir estar adormecidos no quarto de Inês, quando a mãe viera espreitar pela fresta da porta mal fechada. Apagaram as luzes e esconderam-se, num abraço encantado, na tenda de cetim que Inês tinha so seu quarto.
Pedrinho acordou naquela manhã com vontade de gritar, cantar, dançar. Olhava com mais atenção a luz do dia, compreendia melhor os sons daquele CD que Inês lhe emprestara, e sentou-se, deliciado com a lembrança da noite anterior, imaginando os dias seguintes. Finalmente encontrara a sua amiga preferida. Já tivera muitas amigas antes, mas nenhuma como Inês. Nenhuma delas tinha aquele brilho no olhar, aquela temperatura no abraço, aquela doçura nos movimentos. Era diferente.

Tinha esta mania da procura do diferente. E sabia que um dia a encontraria. E então, num acto emocional e irreflectido, Pedrinho foi a correr para a escola, cheio de vontada de contar aquela noite. Contou-a a todos os que encontrou pelo caminho. Os amigos que, felizes, o ouviram. Os inimigos que, invejosos, o desdenharam. É que Inês não era uma menina como as outras. Os rapazes descobriam-na com os olhares já lânguidos, entre as outras raparigas. As raparigas, essas, sabendo da alma diferente de Inês, invejavam-na. E viam, agora, em Inês um olhar diferente. Viam-lhe o sorriso aberto como nunca haviam visto, as palavras soltas como nunca haviam ouvido, os verbos a correrem rápido, como nunca havima lido.

Pedrinho, neste turbilhão próprio da sua primeira vez, distraiu-se. E, ao distrair-se, não conseguiu ver que a sua felicidade, era a inveja dos outros. Não viu, não ouviu, não leu. Nem sequer percebeu na sua nova amiga a incomodidade de tal felicidade exacerbada. Não percebeu que Inês era mais pragmática, mais experiente nas novas relações, nos novos amigos, mais previdente. Por mais estranho que pareça, foi a felicidade que os traiu. Amigos sim. Mas incomodados. Ele convencido de uma amizade eterna. Ela certa que tal amizade tinha que ser alimentada, tinha que crescer com os factores externos de qualquer amizade. Pedrinho tinha que a convidar para s novas estreias de cinema, levar a conhecer os novos McDonalds que íam abrindo, as gelatarias onde as amigas de Inês passeavam.

Neste caminho que ambos fizeram não estavam, afinal, juntos. Pedrinho, do seu lado, tinha muitos amigos a quem havia emprestado os seus brinquedos, mas que, hoje, viviam incomodados com a sua bonança. Inês, que nunca havera tido amizade igual, questionava-se todos os dias se seria real. E tanto se questionou, que acabou por acreditar que tal amizade, não era possível.

O tempo foi-lhes roubando o entusiasmo, os amigos de uns e outros, cada vez mais confundidos com os inimigos, as invejas aumentaram, e a felicidade transformou-se em dificuldade. Pedrinho insistiu que o tempo e o seu exemplo mudariam as opiniões. Insistiu que, com uns biscates em casa da tia velhota, ou da madrinha distante, arranjaria dinheiro para poder acompanhar Inês numa vida social que ela ansiava e exigia sem saber.

Inês não quis esperar. Ouviu amigas com conselhos de desdém, acreditou na irrealidade que tanto a assombrava, e decidiu que as suas amizades jamais seriam com alguém como Pedrinho. Era demasiado intenso, demasiado presente, demasiado afecto. Inês dava o melhor afecto do Mundo.

Pedrinho acabou refugiado no seu Mundo encantado, na crença de um sonho. Inês seguiu, como sempre, forte, decidida e confiante. Em novos amigos.